Nos últimos anos, o termo “cocriação”, uma palavra da moda no setor de negócios e gestão, entrou no discurso da arquitetura e do planejamento urbano. O termo é usado para definir um conceito amplo que descreve o trabalho intencional para a criação de algo em conjunto. Mas a arquitetura já é o resultado de uma colaboração entre vários atores como arquitetos, clientes, investidores e governo local, para citar alguns. Dessa forma, poderia o termo ainda ser aplicado a este campo, trazendo novas formas de conhecimento que diferem do design participativo?
O termo parece ter origem no meio empresarial, com algumas menções no início dos anos 1990 e sua popularização nos anos 2000 com o artigo de C.K. Prahalad e Venkatram Ramaswamy na Harvard Business Review. Esse texto descreve uma mudança de paradigmas à medida que a globalização e os desenvolvimentos tecnológicos desafiam o papel tradicional do especialista. O mercado está começando a entender que os consumidores se tornaram uma nova fonte de competência, uma fonte que pode ser aproveitada para aumentar o valor do produto. Agora, uma mudança semelhante está ocorrendo no mundo da arquitetura.
Desde o início do Modernismo, e talvez até antes, a imagem do arquiteto tem sido mistificada como uma figura obstinada, de pensamento livre e intransigente. Em histórias como o romance The Fountainhead de Ayn Rand, esse personagem heroico e romantizado é inserido em uma luta entre sua própria visão criativa e a oposição coletiva externa, uma imagem que lembra arquitetos modernistas como Mies van der Rohe ou Le Corbusier, e que deu origem à interpretações contemporâneas do arquiteto-estrela. A imagem de um processo coletivo de projeto contrasta fortemente com isso. À medida que os problemas arquitetônicos crescem em complexidade, aumenta a necessidade de encontrar novos métodos de comunicação e colaboração eficientes. Envolver não apenas os atores típicos, mas também os usuários finais no processo de projeto promete oferecer múltiplas vantagens ao aprofundar a compreensão do contexto mais amplo, capacitar as comunidades e gerar mudanças duradouras.
Uma rede popular em toda a cidade: o exemplo de Jhenaidah
Jhenaidah é uma cidade no sudoeste de Bangladesh construída ao longo do rio Nobogonga. Apesar de ser um recurso importante para a cidade, ao longo dos anos, o rio tornou-se negligenciado, poluído e até perigoso. Uma organização local auto-iniciada decidiu mudar essa história e devolver o rio aos habitantes. O projeto resultante foi desenvolvido por meio de um intenso diálogo entre os arquitetos da Co.Creation.Architects, o município e a comunidade local. Pequenas e acessíveis intervenções ao longo da frente ribeirinha transformaram-na num espaço público acessível, aberto e vibrante.
Uma das chaves para esse sucesso é o processo de projeto que está por trás dele. Os arquitetos trabalharam em estreita colaboração com os moradores, especialmente os grupos vulneráveis, como mulheres, crianças, idosos e deficientes. Ao implementar suas demandas, como a instalação de vestiários ou pavimentação antiderrapante, os arquitetos garantiram que as soluções atendessem às suas necessidades específicas. Os arquitetos também falam sobre o ato de cocriar não apenas com humanos, mas também com o contexto natural circundante. Segundo eles, o processo de adaptação ao meio ambiente ocorre naturalmente nas comunidades. Assim, o papel do arquiteto é facilitar a comunicação e fazer a ponte entre as comunidades locais e as autoridades e profissionais.
Embora o projeto esteja em andamento, os efeitos na qualidade dos espaços urbanos são visíveis e sentidos pelas comunidades locais e pela cidade em geral. As pessoas estão trazendo uma compreensão mais profunda de seu ambiente, ao mesmo tempo em que mudam sua perspectiva sobre ele. Uma vez que podem fomentar a mudança em seus espaços, os habitantes se sentem mais conectados a eles. Isso também tem um efeito de bola de neve, já que, quando as organizações locais percebem que a mudança é possível, nascem cada vez mais iniciativas, desenvolvendo soluções bem adaptadas e específicas do local.
A cocriação é reservada apenas para projetos públicos?
A maioria das iniciativas de projeto centradas no usuário concentra-se em espaços públicos e comunidades, tornando mais fácil descartar a ideia quando se trata de projetos menores ou de propriedade privada. Aqui a comunicação com o cliente costuma ser mais direta. Mas o cliente e o usuário nem sempre são a mesma entidade. Considerar todos os envolvidos no projeto e envolvê-los no processo garante que os projetos estejam mais adequados às reais necessidades e, portanto, mais rentáveis para o cliente ou investidor.
Um empreendimento habitacional em Amsterdã é um bom exemplo disso pois demonstra as vantagens de envolver os futuros moradores no processo e dar-lhes liberdade para definir suas necessidades, tanto em termos de moradias individuais quanto de espaços coletivos. O projeto EnBloc de Marc Koehler Architects desenvolveu um método para trabalhar com futuros residentes de forma coesa e produtiva. Eles utilizaram uma abordagem inspirada no jogo Tetris, criando um sistema de unidades de 30 ou 50 metros quadrados. As unidades podem ser interligadas vertical e horizontalmente, permitindo que os moradores variem o tamanho de suas casas de acordo com suas necessidades e orçamentos. As unidades também estavam vazias, então os moradores trabalharam com os arquitetos para criar soluções personalizadas e projetar os cômodos e espaços que precisavam. O projeto parece coerente por causa da estrutura desenvolvida pelos arquitetos, mas capacita os moradores, que estiveram envolvidos desde o início, a criar espaços e comunidades que desejam.
E outra coisa que acho importante: você se muda para um lugar onde conhece seus vizinhos há cinco anos. Esse momento de cocriação no processo de projeto cria coesão social. Na minha opinião, deveria ser obrigatório em novos projetos de construção. – Iwan, um dos residentes de EnBloc
Cocriação: além do design participativo
Ambos os termos, cocriação e design participativo, referem-se a aspectos do projeto centrado no ser humano ou no usuário, uma atitude baseada na crença de que todos podem participar significativamente do ato de projetar. O design participativo é muitas vezes centrado no fator envolvimento, com o objetivo de criar um projeto focado na envolvimento dos usuários. Embora existam algumas interpretações bem-sucedidas desse conceito, muitas vezes ele assume a forma de participação simbólica, imitando o envolvimento, mas evitando decretar mudanças reais. O design participativo também é interpretado como consulta à comunidade em um estágio do processo, utilizando as ideias sugeridas e avançando com o projeto.
Por outro lado, a cocriação refere-se a uma criatividade coletiva que é aplicada em todo o processo de projeto. O conceito entende os usuários e outras partes como fontes de competência, explorando seu conhecimento sobre suas próprias necessidades. O conceito também está alinhado com a ideia de cidadão especialista de Jeremy Till, que vê os residentes como especialistas em seu ambiente e em suas necessidades. O resultado é um processo de projeto baseado na colaboração entre especialistas de diferentes áreas. Portanto, os usuários se tornam parte da coleta de dados, geração de ideias e desenvolvimento de conceitos. O arquiteto ou designer mantém a responsabilidade pelo projeto, atua como moderador entre especialistas e cria a estrutura do processo de colaboração.